Ao g1, vocalista do Chumbawamba explica hit de 1997 e 'plano de tentar fazer a diferença usando posição privilegiada'. 'Quando eu hitei' relembra artistas que sumiram. Quando eu hitei: Chumbawamba
A banda inglesa Chumbawamba já contava 15 anos de carreira dedicada ao pós-punk anarquista, quando fez um desafio para si mesma: “E se a gente criasse um hit número 1 e se infiltrasse na música pop para fazer protestos”.
Foi com esse plano de sabatogem que eles se tornaram donos de uma das músicas mais ouvidas de 1997. O refrão “I get knocked down, but I get up again / You are never gonna keep me down” foi parar em games, na trilha da Copa do Mundo, em talk shows, em cantos de torcida e em campanhas políticas da esquerda e da direita.
A letra de “Tubthumping” (uma gíria que significa “campanha política”) foi escrita quase como um “protesto operário”, nas palavras deles. Cantar sobre “beber, cair e levantar” era uma forma de defender o direito de os trabalhadores encherem a cara após um dia duro de trabalho.
“A música, na verdade, é sobre resiliência, sobre não se deixar abater. ‘Não deixe os desgraçados te derrubarem’. É isso que ela está dizendo”, explica Dunstan Bruce, vocalista da banda, ao g1 (veja no vídeo acima).
Na série "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.
A banda inglesa Chumbawamba nos anos 90 com Dunstan Bruce no canto olhando para cima
Divulgação/EMI
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Ao lado de sete pessoas, Bruce ocupou um prédio abandonado em Leeds, no Norte da Inglaterra, onde “todo mundo se pegava”, segundo eles. Por lá, as ações do Chumbawamba (a comunidade e a banda) eram decididas com votações. A ideia servia para a rotina na casa e para a parte artística (nome de álbum, estilo do figurino, escolha das músicas).Tudo era definido após reuniões semanais e era preciso haver consenso.
Os lucros eram divididos e passaram a ser bem maiores a partir do sucesso, com mais de 5 milhões de discos vendidos.
"Alguns fãs pensavam que a gente tinha se vendido”, ele recorda. “Mas, na verdade, a gente tinha um plano de tentar fazer a diferença usando aquela posição privilegiada para divulgar causas diversas e dizer coisas na televisão ou na mídia.”
“Sempre pensamos que era importante correr riscos e não só fazer o que as pessoas esperam que você faça. Estar sempre preparado para desafiar seu público e a si mesmo.”
Pegadinhas ativistas
Entre as controversas ações do Chumbawamba, o grupo aproveitou a ida ao Brit Awards em 1998 para jogar um balde de água com gelo em John Prescott, vice-primeiro-ministro do Reino Unido no governo Tony Blair. O protesto a favor da greve dos trabalhadores dos portos em Liverpool fez a banda deixar de ser convidada para premiações.
Antes disso, tinham incentivado o roubo de álbuns da banda, caso os fãs não tivessem dinheiro. A atitude fez grandes lojas exibirem CDs do grupo em lugares trancados, sem acesso fácil. "Se te pegarem roubando, diga ao segurança que você tem nosso apoio para fazer isso”, diziam.
Capa do álbum 'Tubthumper', da banda Chumbawamba
Reprodução
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A exposição e as polêmicas trouxeram uma quantidade absurda de ofertas para uso de músicas em propagandas. “Houve muitas vezes em que nos ofereceram muito dinheiro e recusamos, porque simplesmente não queríamos fazer aquilo.”
Foi assim quando a Nike quis pagar cerca de US$ 1,5 milhão para usar “Tubthumping” em um anúncio da Copa do Mundo de 1998. Eles negaram. Justificaram que “não queriam se associar a uma empresa que usa mão de obra infantil”.
A General Electric ofereceu US$ 645 mil para um anúncio sobre máquinas de raio-x. A banda disse não querer se associar “com quem produzia motores para aviões militares na Guerra do Iraque”.
“Aquilo estava acontecendo com tanta frequência e a gente pensou: ‘Podemos tentar fazer algo com essas propostas’. Parecia a oportunidade perfeita para brincar com a ideia de você receber dinheiro por um anúncio e depois doá-lo.”
Eles seguiam o mesmo plano: cediam uma música para uma propaganda de uma grande marca. Depois, doavam o dinheiro recebido para instituições ativistas empenhadas no compromisso de fiscalizar o trabalho daquelas mesmas marcas.
Dunstan Bruce, no clipe de 'Tubthumping', lançado pelo Chumbawamba em 1997; e em foto recente com sua nova banda Interrobang?!
Divulgação
Rádios piratas, o Centro de Mídia Independente e grupos de pesquisa anticapitalismo como a CorpWatch foram contemplados. As cifras obtidas com os anúncios para empresas como Ford, General Motors e Renault variavam entre US$ 50 e US$ 100 mil.
“Foi um momento em que pensamos que estávamos fazendo algo, sendo capazes de fazer a diferença. E, naquela época, estávamos ganhando muito dinheiro de qualquer maneira. Então, não era um grande sacrifício para nós.”
“Vimos aquilo como uma pegadinha inteligente”, rotula o cantor. “Uma chance de ajudar essas organizações e destacar suas causas. Sentimos que havia um impacto maior do que qualquer coisa que pudéssemos dizer na TV ou no palco. Muitas vezes estávamos dando dinheiro para pessoas que podiam usá-lo de forma eficaz e que precisavam desesperadamente daquela verba para algo prático”.
A banda acabou em 2012, mas eles seguem ganhando e doando muito dinheiro que ganham com essa música. Principalmente quando ela é usada em filmes, séries e em comerciais, incluindo um no Super Bowl de 2022, sobre uma plataforma de marketing para pequenas empresas
“Nem era a música principal do anúncio e aquele espaço é tão prestigiado que recebemos uma fortuna absoluta”, comenta, de fato impressionado. “Só isso nos manteve por alguns anos. A quantia de dinheiro é obscena que circula nesse tipo de mundo.”
Há muitos artistas que ainda vivem em conflito com seu maior sucesso, mas Bruce diz ter uma ótima relação com seu mega hit. Afinal, “Tubthumping” é a principal fonte de renda não só dele, mas de seus sete amigos. É comum receber mensagens nas redes sociais de gente dizendo que ouviu a música em algum lugar. Isso ainda arranca sorrisos dele. Na verdade, ele é tão gente boa e tranquilão que pouca coisa não o faz dar uma risadinha.
Dunstan Bruce, ex-vocalista do Chumbawamba, em cena do documentário 'I Get Knocked Down', de 2021
Divulgação/So&So Pictures
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Hoje, os Chumba voltaram a ser independentes e a se dedicarem a outras atividades. Alice Nutter virou roteirista de peças e séries (“Trust”, “Ou Tudo ou Nada de Novo”). Antes, atuou como comentarista política em programas de rádio e da BBC. Hoje com 63 anos, Dunstan Bruce segue na ativa com a banda punk Interrobang e desenvolve projetos de peças de teatro e de séries de TV.
No documentário “I get knocked down”, ele procura entender seu lugar no mundo a partir de uma autoproclamada crise de meia-idade. O filme rodou por alguns festivais (incluindo o In-Edit Brasil) entre 2021 e 2023. A proposta parece a do Chumbawamba: ser pop, bem convencional, mas ter uma ideia mais profunda por trás.
O filme conta a história incrível da banda. Só que ele vai além e fala sobre como levar ideias progressistas ao grande público e como envelhecer sem perder a vontade de ser relevante. “Eu estava realmente em um ponto da minha vida onde me sentia um pouco perdido e começava a me sentir um pouco invisível, sem saber o que estava fazendo na vida real.”
Ele diz ter encontrado “uma paz” fazendo o documentário. “Em um show solo que fizemos após o filme, notei que eu ainda crio um ambiente para as pessoas se encontrarem, como um espaço comunitário.”
Antes da fama, o ativismo…
Entre 1997 e 2001, o Chumbawamba fez parte do mainstream e tocou em arenas e talk shows de sucesso, mas as ações ativistas foram fechando portas para a banda.
No disco seguinte ao sucesso, por exemplo, tentaram emplacar uma capa com uma foto do Bill Gates tomando uma torta na cara. Os executivos da gravadora vetaram.
Logo após o sucesso de projetos como Live Aid e USA for Africa, do hit “We are the World”, saiu o álbum de estreia “Pictures Of Starving Children Sell Records” (“Fotos de crianças famintas vendem discos”, em tradução livre). Para eles, projetos daquele tipo fingiam ser em prol de causas nobres, mas estavam ali para turbinarem as carreiras de quem participava deles.
Capa do disco 'Pictures Of Starving Children Sell Records', do Chumbawamba
Reprodução
Com performances intensas voltadas para o punk nos anos 80, o Chumbawamba não foi muito bem-visto pela cena de ativistas quando decidiu assinar com uma grande gravadora. “No início dos anos 90, a gente tinha participado de uma compilação chamada "Fuck EMI". Então, parecia realmente hipócrita assinar com a EMI”, relembra ele, rindo.
A implicância com a gravadora vinha das notícias que ligavam o nome da EMI ao de uma empresa chamada Thorn. Segundo ativistas, essa companhia teria fabricado armamentos usados no conflito das Ilhas Malvinas entre Inglaterra e Argentina.
“Chegamos a um ponto em nossa trajetória em que precisávamos fazer algo diferente. Tentamos trabalhar em gravadoras independentes e as coisas não correram tão bem. Então, queríamos fazer algo diferente. Estávamos meio que nos desintegrando um pouco. Acho que foi um momento decisivo em que pensamos: “OK, vamos nos jogar nisso. Vamos ver o que acontece’.”
Os recados ativistas eram dados de outras formas. O figurino em programas de TV e cerimônias de premiação era formado por roupas com frases como “Sold Out” (vendidos) e “Label Whore” (“Prostituta de gravadora”). Era comum ainda trocarem partes da letra de seu maior hit por gritos como “Liberdade para Mumia Abu-Jamal”, em alusão ao ativista do partido dos Panteras Negras.
Dunstan Bruce, ex-vocalista do Chumbawamba, em cena do documentário 'I get knocked down', de 2021
Divulgação/so&so pictures
Antes do estrelato, a banda era ainda mais incisiva. Em um show no final dos anos 90, Bruce anunciou a música “I Can’t Hear You ‘Cause Your Mouth’s Full of Shit” (“Não posso te ouvir porque sua boca está cheia de merda”) de forma muito peculiar: “Essa canção é dedicada ao Noel Gallagher e ao primeiro-ministro Tony Blair. Eles são grandes amigos e tomam champanhe juntos”.
O Oasis não foi a única banda zoada pelo Chumbawamba. As Spice Girls foram chamadas de “girl power fake”, um grupo “formado por mulheres fofas e alegres que nunca dizem nada que vá contra o status quo”.
O Blur, por sua vez, seria preconceituoso além da conta. A banda de britpop teria o dom de “desprezar as pessoas mais pobres”. A ideia era que o grupo liderado por Damon Albarn “falava de forma condescendente sobre britânicos que jogam bingo e veem programas populares na TV”, como se isso fosse um demérito.
Uma banda antifascista
Quando o Chumbawamba surgiu, em 1982, eles se definiam como “uma banda anti-fascista”. O nome foi criado pelo guitarrista Danbert Nobacon. Ele sonhou com um mundo formado por dois gêneros: os Chumbas e os Wambas. A maioria dos instrumentos musicais da banda foram roubados, mas quando eles conseguiam algum dinheiro, eles garantem que voltavam nas lojas e pagavam.
Além da parte punk do repertório, eles se dedicavam ainda a canções folk de forte pegada política, como é o caso de “The Day the Nazi Died”. Era uma “homenagem” à morte de político nazista Rudolf Hess, em 1987.
As passeatas em tributo ao integrante do Partido Nazista Alemão inspiraram uma letra bem direta desejando a morte de todos os fascistas. “Essa música nunca terá uma exposição mainstream porque, por mais estranho que seja, é algo controverso de se dizer. Para ser honesto, eu não vejo nenhum problema em desejar que todos os nazistas morram. Eu dormiria tranquilamente à noite se isso acontecesse.”
Show do Chumbawamba nos anos 80
Acervo Pessoal
Nos anos 90, a banda lançou uma canção criada a partir de frases do filósofo Noam Chomsky e outra com o impactante refrão “Homofobia é a pior das doenças / Você não pode amar quem você ama”.
Dado o objetivo de fazer sucesso, as letras foram ficando menos diretas e a sonoridade muito mais pop. O punk deu lugar ao rap desajeitado, aos vocais femininos melosos, aos solos de trompete e aos refrões criados para serem entoados em estádios. Ou em bares.
O pub que inspirou "Tubthumping" se chama Fford Green, em Leeds. Segundo eles, era uma área com “uma pobreza extrema e pessoas desesperadas”. Às sextas, o desespero era esquecido: o tal bar ficava lotado com todos cantando cânticos boêmios que inspiraram o grito “I get knocked down”.
“Queríamos apresentar coisas no palco que fossem empolgantes e divertidas. E acho que uma música como ‘Tubthumping’ fazia parte disso. Fazia parte dessa trajetória de estarmos dizendo: não desista. Podemos continuar resistindo e lutando de diferentes maneiras.”
Dunstan Bruce posa com drag queens nos anos 90
Acervo Pessoal
Mas por que, afinal, ela fez tanto sucesso? “É uma mensagem tão universal que até pessoas de direita tentaram usar essa música em campanhas políticas. Muitas vezes temos que entrar em contato com essas pessoas e dizer: ‘Olha, você não pode usar nossa música, nós discordamos totalmente da ideia de você usar a música’. Isso aconteceu várias vezes nos Estados Unidos, na Austrália, no Reino Unido...”
É mais um exemplo de que a mensagem da música “pode ser aplicada a qualquer assunto”. “Na época que escrevemos, não sabíamos que todos iriam poder se relacionar com ela. Estávamos compondo muitas músicas que, em termos de estrutura, eram muito semelhantes e tinham os mesmos componentes, as mesmas ideias. Mas elas eram um pouco mais impactantes liricamente.” Foi a simplicidade da letra que fez toda a diferença.
Ao falar de arrependimentos, Dustan só se lembra de um: ter feito poucos shows quando a banda viveu o auge comercial. “Ficamos nos concentrando em fazer programas de rádio e de TV. Acho que isso aconteceu porque estávamos obcecados em falar com o maior número possível de pessoas que não tinham sido expostas às nossas ideias.”
“Mas foi tudo tão agitado e cansativo. E havia tantas demandas em cima de nós. Era impossível simplesmente fugir e fazer mais shows, então tivemos que tomar essas decisões.”
Em vez de uma turnê mundial, a banda se dedicou mais a compromissos midiáticos. Entre tocar em ginásios ou fazer uma tour promocional pela Ásia, por exemplo, eles escolheram a segunda opção.
“Depois, voltamos a fazer shows bem pequenos depois disso. Ocasionalmente, tocamos em algum grande festival só pelo fato de termos aquela música. Então, sempre foi uma mistura estranha de públicos… e eles foram ficando menores e menores. Foi estranho, muito estranho.”
“Obviamente, se tudo aquilo tivesse acontecido agora, todo o processo seria diferente”, ele contextualiza. “Não tínhamos redes sociais naquela época e acho que isso fez uma grande diferença. Elas teriam nos ajudado muito, para a gente explicar melhor o que a gente estava realmente fazendo.” Com mais de 25 anos de atraso, essa foi justamente a ideia deste texto.
VÍDEOS: Quando eu hitei
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Publicada por: RBSYS