Capa do álbum ‘Arrigo visita Itamar’, de Arrigo Barnabé + Trisca
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♪ Um álbum em que Arrigo Barnabé canta Itamar Assumpção (13 de setembro de 1949 – 13 de junho de 2003) é no mínimo emblemático por promover a unificação das duas cabeças centrais do movimento que irrompeu na música brasileira em 1980 com o nome de Vanguarda Paulista.
Esse álbum, Arrigo visita Itamar, acaba de sair na sexta-feira, 9 de agosto, promovendo o encontro póstumo do Nego Dito com Clara Crocodilo em gravação ao vivo feita em show apresentado por Arrigo em dezembro de 2023 na cidade de São Paulo (SP) – onde mais? – com Trisca, trio derivado da Isca de Polícia, a já lendária banda criada em 1979 por Itamar.
O encontro de Nego Dito e Clara Crocodilo é literal. As pedras fundamentais das obras dos dois compositores se assentam juntas em faixa ao fim do disco no compasso 7/4.
Arrigo e Itamar foram projetados em 1980 como pontos fora da curva da música brasileira. O paranaense Arrigo causou impacto com som pautado pelo atonalismo e pelo serialismo dodecafônico em narrativa que incorporava elementos do rock, do canto falado e da estética dos quadrinhos. O paulista Itamar se pautou por assimetrias, dissonâncias e falas ritmadas que friccionaram diversos gêneros musicais, irmanados sob a ótica experimental da lira paulistana do artista.
Amigos de botequins e estúdios, a ponto de terem dividido apartamento no bairro paulistano do Bexiga, ambos desenvolveram trajetórias paralelas em nichos da cena indie brasileira. Itamar, em especial, foi logo amaldiçoado pelo mercado ao qual jamais se curvou. De certa forma, ele permaneceu fechado em universo particular até sair de cena em 2003. Mas se abriu para o samba de Ataulfo Alves (1909 – 1969), chegando a gravar disco com músicas do compositor mineiro.
Do repertório deste álbum de 1996, Arrigo revisita Na cadência do samba (Ataulfo Alves e Paulo Gesta, 1962) com aura punk e interpreta Errei erramos (Ataulfo Alves e Arthur Vargas Jr., 1938), música que conheceu na voz lapidar do cantor carioca Orlando Silva (1905 – 1978).
Em terreno alheio, Arrigo encara a dor do samba De mais ninguém (1994), samba que poderia ser de Ataulfo, mas é mesmo de Marisa Monte com letra de Arnaldo Antunes.
Intérprete inventivo, Arrigo põe as próprias digitais em músicas de Itamar como Dor elegante (parceria do Nego Dito com Paulo Leminski, de 1998), Mal menor (1988), Fico louco (1993) – música que viu o amigo compor quando moravam juntos – e Noite torta (1993).
O fatalista samba Luz negra (Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso, 1961) e Quando eu me chamar saudade (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, 1972) também integram o repertório deste disco em que Clara Crocodilo se deixa aprisionar pelo universo do imortal Nego Dito.
Itamar Assumpção no palco do teatro Centro da Terra na gravação do show em que aborda o repertório de Itamar Assumpção (1949 – 2003)
Stela Handa / Divulgação
Publicada por: RBSYS